O Courage e os Doze Passos

 

Os membros fundadores do Courage deixaram para o apostolado o inestimável legado das Cinco Metas, as quais sempre foram, e continuam sendo, o modelo e o foco de cada reunião do apostolado. O Courage não é per se um “grupo de Doze Passos”, embora o Padre Harvey e os primeiros membros do apostolado apreciassem o modo como os famosos “Doze Passos”, dos Alcoólicos Anônimos, poderiam ser um método útil a ser considerado em seu empenho pelas Cinco Metas. Algumas células ainda se valem das reflexões dos Doze Passos para dar foco a seus esforços de, tanto individualmente quanto em grupo, crescer em autocompreensão e santidade.

 

O Padre Harvey sempre insistiu que o estudo dos Doze Passos e da espiritualidade por trás deles deveria ser contextualizado com base no sólido ensinamento espiritual católico. Quando ele recomendou que as células considerassem os Doze Passos (em obras, como a de Philip St. Romain: Seja uma nova pessoa: doze passos para o crescimento cristão) foi porque seus autores fizeram questão de deixar claro que todas as pessoas poderiam tirar algum proveito ao seguir o caminho do arrependimento, da conversão e da expiação, que os Doze Passos apresentam como proposta.

 

De fato, há muitas conexões entre os Doze Passos e a abordagem espiritual católica da conversão e do crescimento na virtude. Por exemplo, os três primeiros passos encontram uma resposta para a fragilidade humana (“Admitimos que éramos impotentes ...”) em uma entrega completa ao poder amoroso, e à providência, de Deus (“Viemos a acreditar” e “Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus”). Eles ecoam o sentimento expresso por São Paulo, em sua Segunda Carta aos Coríntios: “O Senhor, porém, me disse: ‘Basta-te a minha graça; pois é na fraqueza que a força se realiza plenamente’. (...) Por isso, de bom grado, me gloriarei das minhas fraquezas (...) Com efeito, quando sou fraco, então sou forte” (2Cor 12,9-10).

 

Os quatro passos seguintes falam da importância de reconhecer, e de admitir, o pecado. A natureza poderosamente íntima dos pecados envolvendo a sexualidade – fornicação, pornografia, masturbação, luxúria – muitas vezes faz a pessoa experimentar grande vergonha, o que a conduz a um isolamento que deixa ainda mais difícil o processo de abandonar o pecado. Uma grande liberdade brota ao assumir-se a responsabilidade pelo próprio pecado — sacramentalmente na Confissão, como, também, em conversas sinceras com amigos próximos —, arrependendo-se dele. Essa liberdade interior é o ponto de partida para uma integridade renovada e uma capacidade de enfrentar, com paz e perseverança, os julgamentos e as tentações de cada dia.

 

Os pecados particulares não afetam somente a si próprio. Por isso, o oitavo e o nono passos chamam as pessoas a reconhecer o impacto de seus atos pecaminosos sobre os outros. A vontade de buscar o bem deles e reparar os danos, que os pecados lhes causaram, é um antídoto poderoso para o egoísmo, inerente à luxúria e aos pecados sexuais. Essa caridade se concretiza, às vezes, em forma de conversas reparadoras ou nova postura nas relações com familiares e amigos. Outras vezes, é preciso se valer de formas mais indiretas, como a oração pelos entes queridos ou a intercessão por aqueles que se encontram aprisionados pela cultura de luxúria e promiscuidade, sem freios na sociedade secular atual.

 

O Décimo Passo é um lembrete de que o combate pela santidade e pela virtude da castidade deve ser encarado cotidianamente, e o Décimo Primeiro Passo propõe oração e meditação constantes para se chegar ao conhecimento da vontade de Deus como fundamento de todos os esforços. Os Doze Passos terminam da mesma forma que as Cinco Metas: com um chamado a alcançar os outros por meio do bom exemplo e estendendo a todos o convite para experimentar, em primeira mão, a liberdade e a paz que a fraternidade do Courage e seu plano espiritual podem proporcionar.

 

Historicamente, os Doze Passos foram escritos para ajudar aqueles que lutam contra a dependência física e emocional do álcool. Dizer que o Courage se inspira nos Doze Passos não significa dizer que ele enxerga a atração pelo mesmo sexo como doença ou vício, embora alguns membros enfrentem problemas de desestruturação sexual, como o apego compulsivo à pornografia ou a comportamentos promíscuos, ou fantasias sexuais ou românticas obsessivas. O modelo dos Doze Passos pode ser particularmente útil para eles, e seus princípios espirituais subjacentes estão certamente em harmonia com as Cinco Metas.

 

Há diferenças importantes, porém, entre as reuniões do Courage e as dos demais grupos que utilizam os Doze Passos. Uma é a definição de “um Poder superior”. Os autores dos Doze Passos dos Alcoólicos Anônimos escreveram que “viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos” e que “decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos”.[1] Essa abordagem do divino deixa livre para os membros do AA – provenientes de crenças diversas ou de nenhuma – uma ampla latitude para tratar da vida espiritual de acordo com a própria consciência. Na qualidade de um apostolado da Igreja Católica, no entanto, deve ficar claro que o “Poder superior”, no qual os membros do Courage confiam, é o Deus trinitário — Pai, Filho e Espírito Santo — revelado ao mundo por Jesus Cristo.

 

Outra característica do AA e dos demais grupos de Doze Passos é o papel dos padrinhos. Aqueles com mais experiência na célula e mais sucesso em evitar comportamentos de vício sexual – ou seja, aqueles que praticam a sobriedade a mais tempo – atuam como mentores e guias para os que acabaram de começar o processo de “trabalhar os passos”. Enquanto aqueles que se recuperam do vício testemunham a poderosa ajuda que essa caminhada dois-a-dois pode proporcionar, uma boa dose de prudência é necessária quando se trata da atração pelo mesmo sexo, a fim de evitar-se a possibilidade de um relacionamento próximo se tornar exclusivo e, depois, sexual. O capelão da célula do Courage serve como um “padrinho” para todos os membros, fornecendo orientação e acompanhamento espiritual para cada um. Os membros se ajudam uns aos outros, na busca sincera da Terceira Meta (criar uma atmosfera em que todos possam partilhar a sabedoria adquirida com a experiência) e da Quarta Meta (criar castas amizades), em vez de uma relação formal de apadrinhamento.

 

Por fim, o capelão deve estar consciente de que os membros da célula provêm de uma variedade de origens e vivências, inclusive diversas experiências de tentação e comportamento sexual. Ele não pode presumir que todos os membros – particularmente os mais jovens – tenham necessariamente se envolvido em relações sexuais ou pecados de impureza, tampouco que todos eles estão lutando contra hábitos ou compulsões de modo tal que “tenham perdido o domínio sobre suas vidas”. Por isso, uma abordagem totalmente baseada em “trabalhar os Passos” pode não ser útil para todos ali e, em alguns casos, pode fazer com que um membro, que não está lidando com comportamentos compulsivos, se sinta deslocado ou mal compreendido. Além disso, a abordagem dos Doze Passos de concluir o Primeiro Passo com uma partilha, relatando detalhadamente o histórico de comportamentos compulsivos, pode ser uma ocasião de escândalo para alguns membros, trazendo à tona temas de comportamento sexual aos quais eles não haviam sido expostos anteriormente.

 

Em resumo, os seguintes pontos são fornecidos para efeito de esclarecimento:

 

  1. O plano de cada reunião do Courage está contido nas Cinco Metas do apostolado, deixadas pelos primeiros membros do Courage e aprovadas por autoridade eclesiástica.
  2. Embora se inspire na espiritualidade que sustenta os Doze Passos dos Alcoólicos Anônimos, o Courage não é um típico “grupo de Doze Passos”, nem se pode presumir que cada membro, ou potencial membro, do Courage esteja lutando contra comportamentos ou vícios compulsivos. Não é necessário “trabalhar os Passos” para ser um membro do Courage.
  3. Um estudo sobre a espiritualidade dos Doze Passos, no que se refere à castidade, à pureza e à superação de comportamentos compulsivos, pode ser empregada por células como forma de orientar a reflexão entre os membros. Os capelães considerarão cuidadosamente se tal abordagem é apropriada tendo em consideração a história e a experiência dos membros da célula. A discussão pode ser pautada pelo próprio capelão ou pelo uso de materiais publicados que estejam em harmonia com os ensinamentos da Igreja Católica sobre a pureza, a castidade, a moralidade e a espiritualidade. As perguntas sobre se um determinado recurso se encaixa nesse critério devem ser encaminhadas ao Diretor-               -Executivo.
  4. De nenhuma célula se exige o uso dos Doze Passos, tendo em vista o que se indica no número 3.
  5. Em qualquer partilha ou reflexão sobre os Doze Passos, deve-se esclarecer que o único “Poder superior” ao qual os membros do Courage se referem é o Deus Trino, revelado por Jesus Cristo.
  6. Os membros são convidados a partilhar suas histórias aberta e francamente na reunião da célula. O respeito pelos outros membros significa que essa partilha não deve incluir detalhes explícitos dos pecados sexuais (o que às vezes acontece nas admissões feitas no “Primeiro Passo” em típicos grupos de Doze Passos para pessoas que enfrentam vícios sexuais).
  7. O papel de um padrinho, tipicamente associado aos grupos de Doze Passos, não faz parte do plano da célula do Courage. A orientação e o acompanhamento são oferecidos pelo capelão e nas amizades castas que são cultivadas nas reuniões e encontros da célula.

 

[1] Ver: passos 2, 3, 9, 11.

 

 

TEXTO DOS DOZE PASSOS

(ADAPTADOS COM PERMISSÃO DO A.A.)

 

 

1. Admitimos que éramos impotentes perante a homossexualidade – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.

2. Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.

3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.

4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.

5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.

6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.

7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.

8. Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.

9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.

10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.

11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.

12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses Passos, procuramos transmitir essa mensagem a outros e praticar esses princípios em todas as nossas atividades.